A CASA DA MARIA NÃO ESTÁ EM ORDEM!
A Prefeitura Municipal de Guarujá fez publicar, amplamente, em toda a imprensa, os argumentos com os quais buscou justificar a inépcia, incompetência e morosidade na administração da cidade, dividas herdadas. Apurou-se, porém, na análise dos argumentos invocados que eles não refletiam a realidade e não levariam aos resultados alardeados.
A divulgação dos referidos argumentos oficiais configurou um ato administrativo desmotivado, que feriu o princípio constitucional da propaganda governamental, inerente à juridicidade administrativa. O povo exige, num Estado Democrático de Direito, que lhe seja assegurado o direito de controle da moralidade dos atos administrativos. A imprensa, por outro lado, divulgou que a publicidade dada à real situação do Governo era enganosa quanto aos seus efeitos, e, portanto, atentava contra a moralidade administrativa.
É evidente que um governante não pode fazer a divulgação dos seus projetos com a utilização de argumentos enganosos, ou equivocados, ou de sentido dúbio ou contraditório, em relação aos fundamentos básicos em que se inspirou. Devem prevalecer aí os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, nos atos administrativos. Isto é, a razoabilidade se entende o da racionalidade, do equilíbrio e da sensatez, como requisitos para a conduta administrativa, dirigidos a um fim especificado. A proporcionalidade significa a correta adequação dos meios adotados pela administração, a fim de que os critérios para o atingimento dos objetivos oficiais se façam sem agressividade, ou intervenção discricionária na liberdade de análise e decisão dos administrados. A propaganda enganosa é uma forma subliminar de agressão oficial do Poder Público.
O Governo Municipal tem notório interesse político em ver aprovada sua administração, que, além dos dividendos de prestígio, saciará a fome arrecadatória. Mas, como diz o art.1o do Código Brasileiro de Auto Regulamentação Publicitária”, “todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país, deve, ainda, ser honesto e verdadeiro”. E ficou demonstrado, na exposição, que a “publicidade governamental”, ora questionada, não é honesta e verdadeira.
Tal “publicidade governamental” está também sob o comando do mencionado “Código”. Dí-lo o seu art. 12, explicitamente, que “a publicidade governamental ... deve se conformar a este código da mesma forma que a publicidade realizada pela iniciativa privada”. E complementa o art. 16 que “... este Código é também destinado ao uso das autoridades e tribunais como documento de referência e fonte subsidiária...”.
O Código adverte, mais, no artigo 23, que “os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do Consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credibilidade”. A responsabilidade da “publicidade governamental” é, no caso, por ser enganosa, do próprio Governo Municipal, mas, poderia ter sido também recusada pela imprensa, por força do art. 45, inc. C.1., independentemente de decisão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – CONAR, quando diz:- “... comunicação sua ao decisão ao Conselho Superior do CONAR que, se for o caso, determinará a instauração de processo ético”; e cujo final julgamento determinará, como prevê o art. 50: “c – recomendação aos veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio”.
Existe uma ética administrativa, coerente com a moralidade, que controla o direito aplicável e garante a legitimidade e eficácia das normas legais. Isto é, a juridicidade dos atos administrativos se relaciona aos aspectos éticos observados pelo administrador. A infringência da ética da administração, entre as várias hipóteses, mais se agrava quando o agente público declina, como razões da sua ação, motivos conscientemente conhecidos como errôneos, e incompatíveis com os interesses públicos. Tal ocorre quando é visível a desproporcionalidade entre a divulgação da ação proposta e o seu efetivo resultado ou efeito legal; espécie de propaganda enganosa, por opção discricionária, contra o povo ou uma forma de embair a boa-fé pública. Não basta rechear a publicidade de motivos; é de exigência básica que eles sejam honestos.
O que é uma informação falsa ou deturpada? Falsa é a notícia forjada, atentatória do dever de veracidade, com a agravante de ter sido dada à publicidade por funcionário ou órgão públicos, que gozem da presunção de idoneidade na interpretação dos interesses populares. A noticia deturpada é aquela eivada de inverdades, seja porque subtraída de aspectos relevantes, seja porque acrescida de informações duvidosas. Valem-se da efetiva certeza do fato principal, para pregar ou estimular uma falsa convicção. Truncar a noticia de fatos verdadeiros consiste na omissão, culposa ou dolosa, de aspectos, detalhes, fatores que perturbem a regular e natural compreensão dos acontecimentos. A liberdade de informação é uma das mais notáveis conquistas dos povos livres e democratas, mas tal prerrogativa, muito valiosa para o aperfeiçoamento da legislação, não pode, impunemente, se converter num instrumento falacioso contra o povo.
A Constituição Federal, no art. 37, inc. XXI, § 1o , dispõe que “a publicidade dos atos, programas, obras serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos”. Embora o art. 220 da Constituição Federal assegure que “manifestação do pensamento, a criação ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, é evidente que o “caráter educativo ou de orientação social”, de que fala o referido art. 37, tem como pressupostos, mormente se advindos de um órgão público, a absoluta idoneidade, a correção e a certeza do seu conteúdo. O homem público está terminantemente proibido de blefar, simular, adulterar, omitir, deturpar os atos e fatos públicos, que gerencia em nome do povo.
O princípio da publicidade idônea e da propaganda governamental, que é o que está sendo questionado, constitui uma imperiosa exigência da cidadania. A razão está em que os atos administrativos devem ser levados à publicidade e à propaganda governamental com conveniente explicação, a fim de que possam ser hábeis e oportunamente fiscalizados pela opinião pública. A publicidade em geral, neste caso, deverá estar inteiramente despida de tendências ideológicas, partidárias, ou de outra qualquer preocupação, que possam induzir o administrado a erro. Esta clareza imposta ao conteúdo da divulgação dos atos administrativos está vinculada, de alguma forma, aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da isonomia. É condição à plena juridicidade dos atos públicos que todos tenham, com idêntica transparência, igual acesso a tudo da administração pública, resguardado o sigilo imposto por lei
A Lei n. 5.251-67, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, chamada “Lei de Imprensa”, dispõe (art. 27) que “não constituem abusos no exercício de liberdade de manifestação do pensamento e de informação; (omissis) III – notificar ou comentar, resumida ou amplamente, projetos e atos do Poder Legislativo, bem como debates e críticas a seu respeito”. Mas, o art. 16, da mesma Lei, considera crime “publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarme social; II – desconfianças no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica.“ Como foi demonstrado, pelo autor, na sua explícita inicial, as informações do Governo Municipal sobre a “Casa em Ordem” contém aspectos falsos ou deturpados, em razão do que estaria configurado um caso típico de crime de imprensa.
A discricionariedade administrativa tem previsão política. Oferece à Administração Pública meios indispensáveis para melhor conformar os seus propósitos legislativos aos fundamentos e diretrizes constitucionais. O que não se há de aceitar ou admitir é o excesso da discricionariedade para configurar a arbitrariedade, com a utilização de meios juridicamente desautorizados no cumprimento da finalidade legal. Quer dizer, na publicidade e na propaganda do Poder Público sobre seus projetos, que estejam dentro da admitida discricionariedade administrativa, há um justo limite de discrição, necessidade e neutralidade, que não deve ser ultrapassado, sob pena de descambar-se para a arbitrariedade. A publicidade e a propaganda governamental dos atos administrativos, quando desnecessárias ou enganosas se convertem num ato arbitrário.
A moralidade administrativa, como princípio constitucional, goza de autonomia e possui identidade própria. Não se confunde com o princípio da probidade administrativa, que veda a prática de atos desonestos ou desleais. Estes últimos acarretam o estabelecimento de sanções para repressão do desvio de comportamento do titular do munus publico, exatamente por violar o princípio geral, mais amplo, da moralidade administrativa. Vincular o princípio da probidade administrativa apenas às questões do erário público constitue equívoco. Qualquer irregularidade que tenha a marca da deslealdade, de excesso vedado ou com destinação lesiva aos interesses públicos, pode ser considerada um ato de improbidade administrativa, por violar o princípio da moralidade administrativa.
A tendência moderna é a aproximação entre administrado e administração, com o ideal de privilegiar a cidadania. O poder discricionário da administração tem evidentes limitações, no nosso regime jurídico-administrativo. Isto é, quando utilizado indevidamente, ou contra flagrante interesse público, ele está sujeito à apreciação do Poder Judiciário ou dos órgãos repressores. Basta que a manifestação do ato administrativo se mostre desarrazoado, ou incompatível com a realidade social, para que o Poder Judiciário possa intervir para obstar ou reparar a violação da ordem jurídica. Evoluímos politicamente para instituir o controle jurisdicional dos atos administrativos de natureza discricionária, como a teoria dos motivos determinantes, ou do desvio do poder. Nada que seja lesivo deve ou pode escapar ao controle do Poder Judiciário. Onde há imoralidade convém o controle de juridicidade, na sua modalidade jurisdicional.
Impõe-se que as relações entre os cidadãos e o Estado se formem com base em princípios éticos. A vigilância que hoje se permite sobre os atos oficiais não tolera mais um Estado aético ou amoral. O melhor remédio contra a degradação dos costumes políticos e sociais, que hoje a todos atormenta, precisa de vir prioritariamente dos que personificam o Estado ou dos que são responsáveis pela segurança jurídica do cidadão. O novo Código Civil deu a eticidade dos atos humanos uma relevância destacada e pioneira. Os valores éticos passaram a reger o relacionamento entre os cidadãos e entre estes e o Estado, criando uma nova hermenêutica. O princípio da boa-fé teve absoluta proeminência no novo Código Civil, como se vê dos artigos 113, 164, 422, 765, 766, 879, 906, 1201, 1202, 1203, 1214, 1215, 1216, 1217, 1218, 1219, 1238, 1239, 1240, 1242, 1243, 1255, 1258, 1259, 1268, 1261, além de outros, sobre os bons costumes, como artigos 13, 122 e 187. O novo Código Civil tem na boa-fé e na ética a espinha dorsal do seu ordenamento legal, mas, o governo teima em dirigir-se para o lado oposto.
A nossa legislação era omissa na repressão à propaganda enganosa ou abusiva. Tais ilícitos começaram a ser apenados nos casos de incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591-64); nos caos de loteamentos (Lei n. 6.766-79), sucedendo aos ilícitos por “infrações contra a economia popular”, (Lei n. 1.521-51) ou publicidade enganosa na concorrência desleal (Lei n. 9.279-96), até chegarmos à Lei n. 8.137-90, sobre os crimes “contra as relações de consumo” (arts. 37 e 66 a 69). E surge o detalhe de que não há necessidade do induzimento ou não do consumidor, porque, como no caso presente, em sendo a publicidade abusiva ou enganosa, basta, para o ilícito, a potencialidade ou perigo de dano in abstrato a uma comunidade de consumidores difusamente considerados. A publicidade aludida no Código de Defesa do Consumidor é de aplicação analógica à presente discussão.
Na obra “Cidadania”, (2001, Ed. Juarez de Oliveira) muito insistimos, em vários capítulos, sobre a necessidade da moralidade e da ética na administração pública. E dissemos que “os princípios constitucionais orientadores dessas virtudes estão no artigo 37 da Carta Magna: “legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”. Antes de serem jurídicas, as instituições são morais. O serviço público não é um favor do Estado”. Cometida a improbidade, o abuso de poder e os propósitos inconfessáveis, impõe-se que sejam denunciados. Relevantíssimos fins coletivos os recomendam. O bom administrador público deve equiparar-se à figura do bom pai de família, como se diz em Direito. Cumpre-lhe que seja honesto, evite prejuízo aos seus semelhantes e que dê a cada um o que lhe pertence ou que lhe seja devido.
Baseado em Artigo do
Prof. Elias Farah
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